O Projeto

Nós que nos queremos tão pouco é um longa-metragem, realizado na cidade de Novo Hamburgo/RS. Conta a história de duas irmãs, unidas na infância e separadas por um segredo familiar. Segundo Marilyn J. Mason, segredos familiares “fazem com que nos sintamos sobrecarregados e presos nas histórias de outras pessoas; quando não podemos passar o conhecimento adiante, excluímos os outros. Quando nos referimos aos segredos, implicamos informações escondidas. O segredo protege algo, mantendo-o invisível a outros”. Os segredos normalmente envolvem tabus culturais relacionados a dinheiro, sexo e doenças.
A revelação do segredo familiar é o ponto de virada da trama em que a protagonista, Mara, decide por fim ao sofrimento silencioso e compartilhá-lo com a irmã. É uma história impactante e comovente que ajudará o público a questionar tudo o que optamos por não ver, por não saber e mesmo por esquecer. Neste caso, o abuso sexual intrafamiliar.
Uma história de abuso sexual que começou aos 11 anos de Mara cometido por seu pai, Constâncio. Um ato repetido que mudou a vida de uma menina que acreditava em sonhos. Um silêncio que ocupou o segundo andar do casarão, por longas noites. Um segredo familiar que se tornou um elo invisível, aprisionando e castigando sua principal vítima, assim como todos de sua família. O rompimento deste elo aprisionante é o que se deseja com as discussões que serão provocadas pelo filme.
Apesar da história ser ficcional, o abuso sexual é uma realidade em todo o mundo. No Brasil, estima-se que o abuso sexual contra crianças e adolescentes atinja mais de 30% da população. Na África do Sul, uma criança é estuprada a cada três minutos. Na Índia, a taxa de abuso sexual de crianças subiu 336%, na primeira década do século XXI. No Reino Unido, uma em cada 30 crianças foi abusada, sendo que 90% delas foi abusada por alguém que conheciam. Por fim, nos Estados Unidos, estima-se que existam 42 milhões de sobreviventes de abuso sexual.
Esse é um tema muito pouco discutido porque traz marcas profundas nas suas vítimas e suas famílias. As consequências dessa violência que, por ainda ser um tabu, continua fazendo suas vítimas prisioneiras do silêncio. O sentimento de culpa, a fragilidade e o medo pelos julgamentos impedem que as mulheres falem da violência, dos abusos sofridos, ocultando o fato e a identidade de seus algozes. Esse sentimento contido e represado traz um imenso sofrimento.
Nós que nos queremos tão pouco retrata as consequências do abuso sexual intrafamiliar, com personagens bem construídas, que vão revelando diversas camadas, nuances, em uma abordagem cuidadosa. Seja na direção de cena, com elaborados enquadramentos e movimentos suaves de câmera, como nas interpretações afirmadas de um elenco experiente e qualificado, a certeza é de que esse tema deixará de ser um segredo para aqueles que forem tocados pela obra.
De forma sensível, delicada e com um olhar feminino, o filme traz uma narrativa que mescla 3 tempos na vida da família Avelar: a infância feliz, a adolescência conturbada e a vida adulta ressentida. Seus diálogos têm importância estrutural para o desenvolvimento das personagens – mesmo que estes diálogos nem sempre se façam através da fala. As atenções do filme estão voltadas ao ser humano, colocado em situações cotidianas, por vezes complexas, de fortes implicações afetivas. Na essência do gênero dramático, como a crítica, o realismo, a reflexão e a problematização acerca da sociedade, é possível refletir sobre normas, culturas e valores, bem como sobre o lugar do indivíduo, das suas errâncias e tensões.