Nós que nos queremos tão pouco é uma história construída em três tempos que retratam a vida e o relacionamento entre duas irmãs. Em cada um, a história se apoia em um sentimento: felicidade na infância, perturbação na juventude e rancor na fase adulta.
O tempo principal é o do presente, em que reflete a maturidade de ambas as personagens contrastada com uma relação deteriorada por um segredo familiar. A harmonia e a felicidade que antes existia, na infância de Antônia, é retratada em outro tempo por sons de risos e diálogos fraternos. Naquela época, Mara começava a apresentar nuances de mudança do seu comportamento, com o início dos abusos sexuais sofridos pelo seu pai.
A juventude de Antônia é dramatizada no filme com cenas que mostram as consequências dos abusos sofridos por Mara, que transformam sua estrutura psíquica em uma neurose histérica. Antônia não entende as razões que levam sua irmã a utilizar sedução e agressão, seja para si ou para os outros. Neste terceiro tempo apresentado na trama, as marcas do corpo violado de Mara se manifestam em uma necessidade constante de obter atenção, alimentando um desejo de ser amada. Nem que, para isso, se coloque em risco com uso de drogas e álcool. Infelizmente, o risco se concretiza e uma tragédia muda a sua vida completamente.
O reencontro, a partir da exumação do corpo da mãe, traz o confronto desses três tempos. Aos poucos, é possível conhecer a família, suas relações, suas diferenças, suas mágoas, suas histórias, com o entrelaçamento das fases infantil, juvenil e adulta das duas irmãs.
Para contar essa história, a técnica de realização e produção do longa-metragem conceituará os diferentes tempos de maneira a contribuir para o entendimento dessa construção narrativa. O som é um dos elementos fundamentais e que atuará de forma transversal. É por ele que vamos percebendo o recrudescimento da relação entre Mara e Antônia. A infância, preenchida com vozes alegres e sons leves, é atravessada por diálogos mais ásperos entre Mara e Antônia, na juventude. Em cada mudança de tom, uma ambiência diferente e uma nova expressão de foley. O som atravessa o tempo durante todo o filme e se mistura nas lembranças de cada personagem. No final, ao ficar só na casa que abrigou o seu crime, Constâncio volta a ser assombrado pelas vozes felizes de suas crianças. Seria um sinal que as irmãs poderiam retomar suas vidas mais próximas uma das outras ou seria a certeza de um sentimento angustiante de aprisionamento a um passado destruído por ele próprio?
A fotografia contará em tons, matizes e enquadramentos a dramatização da fase jovem e adulta das irmãs. Na juventude de Mara, as consequências da violência sofrida por ela serão mostradas em cenas noturnas que marcarão o momento mais sombrio da personagem. Já no tempo adulto, as imagens diurnas e noturnas se equilibram, sendo que as noturnas ocorrem no ambiente interno da casa. As grandes revelações, a quebra do segredo, ocorrem na casa, onde tudo aconteceu: a violência, a construção da aparência, o aprisionamento da família. A cenas diurnas acontecem em espaços públicos da cidade que, na relação entre passado e presente também existente na característica de Novo Hamburgo, denota uma possibilidade de conciliação.
A iluminação propriamente dita será naturalista, através de diegese de fontes controladas, com um controle de alto contraste diferenciado. Para isto, serão aplicados refletores especiais e lâmpadas específicas, com temperatura de cor controladas, nos diversos suportes de iluminação que a direção de arte irá apoiar para o cenário. Abajures, luminárias, candieiros e lustres serão utilizados em altura e ângulos que justifiquem a iluminação desejada, e se não, ainda servirão para justificativa em quadro de aplicação fora de quadro de refletores de cinematografia no mesmo sentido e natureza.
O contraste alto diferenciado consiste em sempre usar uma alta luz de fonte única, sem compensação. Janelas serão as grandes fontes diegéticas nas cenas diurnas e os elementos diegéticos (abajures, luminárias, etc) serão as fontes nas noturnas. Quando em uma cena existir a necessidade de drama mais tênue, esta fonte poderá ser difusa, em direção mais frontal. Quando houver a necessidade de aumentar a carga dramática, a fonte poderá ser substituída por outra de natureza dura, deixando o contraste mais evidente na face, percebendo sobras. E quando se desejar imprimir muita carga dramática, a opção será pelo uso de contraluz em sentido oposto ao ataque de fonte única, com leve superexposição. Ou seja, a iluminação tende a diferenciar-se conforme a carga dramática durante a trama, mas, ainda assim, segue um conceito que unifica a fotografia e não destoa durante o filme.
Como proposta de decupagem de direção, entradas e saídas de objetos e fontes luminosas se darão por sutis movimentações de câmera, lentas e estáveis. Os movimentos de câmera serão usados em momentos estratégicos da trama, muitas vezes denotando fim de cenas, passagens de tempo ou, simplesmente, marcando a condição da personagem, como solidão, tristeza, desalento.
Outro aspecto importante da direção do longa-metragem serão os enquadramentos. Tudo em quadro e no extra campo será minuciosamente pensado para ser apresentado ou não, como elemento diegético. Neste sentido, pretende-se flertar com a disposição dos elementos em quadro e fora dele, com a escolha de um aspect ratio mais anamórfico, ou seja, em um formato de tela de relação 1:2,45, também conhecido por Cinemascope. Através deste artifício, será exercida a potencialidade de assimetria e simetria, conforme os momentos dramáticos da trama se intensificarem. A composição mais assimétrica contextualizará o estado psíquico alterado da personagem Mara. Que poderá ser dirimido com o uso de objetos em cena próximos a câmera, ocupando o lado oposto e reequilibrando o enquadramento, para mostrar que a crise diminuiu.
As remolduras são outro aspecto importante para a narrativa do filme. Os reenquadramentos serão produzidos a partir da colocação da personagem entre portas ou janelas, afastados, ocupando uma menor parte do enquadramento. O mesmo acontece com relação a espelhos e reflexões de personagens que acontecerão em momentos determinantes da trama. Serão objetos reflexivos (espelhos, vidros, metais) aplicados no cenário, que se revelam pelo movimento de câmera, e que trazem outra visão sobre as personagens. Podem trazer um perfil daquela personagem que está de costas ou um reflexo sem foco da personagem que está hesitante.
A direção de arte vai apoiar e complementar os conceitos previstos para a direção, fotografia e o som, com recursos e suporte material e cenográfico que possam refletir os ambientes (internos e externos), as situações (tensas, leves, tristes, reflexivas, etc.), as relações (ídem e também intimas ou superficiais). Será utilizada uma guarnição física e visual que se relacionará com o percurso da narrativa e seus personagens. A arte vem atentar para o que é relevante nas características físicas dos lugares e os seus significados e nas características corporais e psicológicas de seus personagens. A direção de arte parte de uma pesquisa contemporânea e de época para encontrar o tom mais correto ao que o filme se propõe: uma relação íntima e familiar e sua memória sombria que atravessa os anos 80 e se mescla com a época atual, dentro da cidade de Novo Hamburgo.
A captação das imagens será feita com câmera de alta performance, estilo alexa Mini. Esta tecnologia possibilitará o registro de sinal de imagem em raw, em que não gera somente um arquivo de imagem contínuo, mas sim armazena cada frame como uma imagem em altíssima definição, com arquivo de metadados anexo para melhor dinâmica em pós-produção, quando da marcação de cor e luz (colorgrading).